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Exposição a aromas durante o sono melhora a memória em mais de 200%

Idosos foram expostos a um vaporizador programado para jogar aromas de óleos essenciais enquanto dormiam. Após seis meses, o desempenho de memória dos pesquisados saudáveis melhorou 226%

Ricardo Afonso Teixeira*
postado em 11/08/2023 20:07

Estava bem longe de casa, apreciando uma pequena cidade colonial por cima dos seus telhados, nova paisagem, outros ares. Ares que carregavam o odor da torra do café, que atingiu em cheio minha memória profunda da infância, acompanhada de uma emoção gostosa. Certamente cada um de vocês que agora lê esta coluna já passou por algo semelhante.

Experiências. Esta é uma palavra-chave para a manutenção das habilidades cognitivas ao longo do envelhecimento cerebral. Estudos demonstram que as pessoas que têm mais experiências, não só com leitura, atividade física, mas também com trabalhos manuais e socialização, por exemplo, envelhecem com o cérebro mais afiado. Camundongos restritos a gaiolas com poucos estímulos visuais e auditivos envelhecem menos espertos. E voltando aos estímulos olfativos, sabemos que um ambiente rico em odores promove maior geração de novos neurônios e melhor memória. Esse ambiente é eficaz quando os odores são apresentados individualmente, mas não numa mistura, um blend de odores.

O mesmo é observado em idosos, humanos, com ou sem doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. A multiplicidade de experiências individualizadas vale mais que um blend de aromas. No mundo real, seria uma tarefa difícil criar uma rotina diária de estimulação olfativa em que um idoso abra, cheire e feche frascos com diferentes aromas várias vezes ao longo do dia.

E se isso fosse feito de forma automática enquanto se dorme? Que tal um vaporizador de aromas programado para jogar no ambiente aromas de óleos essenciais por duas horas enquanto dormimos, um diferente a cada noite? Foi isso que pesquisadores da Universidade da Califórnia desenvolveram. Os resultados acabam de ser publicados na Frontiers in Neuroscience, mostrando que, após seis meses dessa intervenção, o desempenho de memória de idosos saudáveis melhorou 226%. Além disso, os voluntários que receberam a estimulação olfativa reportaram que dormiram melhor, e os exames de ressonância magnética apontaram um incremento na função do circuito que conecta estruturas do lobo temporal mesial ao córtex pré-frontal.

O grupo placebo foi exposto a doses indetectáveis de óleos essenciais. Os aromas usados? Rosas, laranja, eucalipto, limão, hortelã-pimenta, alecrim e lavanda. A Procter & Gamble patrocinou o estudo e, em breve, lança no mercado seu vaporizador de óleos essenciais. Entretanto, novos estudos devem confirmar esses achados.

O que esperar do nosso cérebro na velhice?

Já se conhece bastante sobre as alterações cerebrais morfológicas e fisiológicas associadas ao processo de envelhecimento normal. Por volta dos 15 anos de idade, nosso encéfalo alcança seu maior peso (~ 1.350g), com uma perda de cerca de 1,5% desse peso a cada década. Essa diminuição se dá muito mais por redução do tamanho dos neurônios do que por destruição dos mesmos. Paralelamente, há uma redução no número de conexões entre os neurônios e significativo acúmulo de substâncias associadas ao envelhecimento que dificultam o pleno funcionamento cerebral.

O envelhecimento cerebral normal provoca apenas discretas mudanças no desempenho cognitivo após os 50-60 anos de idade, muitas vezes só detectáveis por meio de testes rigorosos. Na maioria das vezes, porém, as queixas de memória têm mais relação com quadros de ansiedade, depressão, transtornos do sono e o estresse do dia a dia do que com doenças cerebrais propriamente ditas. Além disso, alguns estudos têm mostrado que a maturidade faz com que algumas habilidades cognitivas fiquem até mais eficientes do que nos jovens. Um exemplo é a capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa.

Infelizmente, algumas pessoas, à medida que envelhecem, começam a ter queixas de memória de forma mais intensa, podendo evoluir para a demência. A definição de demência é o acometimento de diversas dimensões do pensamento que chega a comprometer a capacidade de um indivíduo em realizar suas atividades habituais. Entre o envelhecimento cerebral normal e a demência, podemos encontrar pessoas que estão no meio do caminho, e essa é uma condição chamada de transtorno cognitivo leve.

Idosos com transtorno cognitivo leve costumam apresentar dificuldades significativas de memória com outras funções cognitivas preservadas, sem que isso atrapalhe de forma expressiva suas atividades diárias. Outros apresentam uma variante em que a memória é relativamente preservada, enquanto outras funções estão mais acometidas. Nem todas as pessoas que apresentam transtorno cognitivo leve apresentarão demência no futuro, mas a maioria apresentará, sim.A cada ano, cerca de 10% a 15% de idosos com diagnóstico de transtorno cognitivo leve receberão o diagnóstico de demência, comparado a 1% a 2% para idosos sem o problema. E quanto à chance de desenvolvermos um quadro de demência, nossa chance é de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. O ser humano inventou o antibiótico, a vacina e tantas outras coisas que estenderam nossa longevidade, mas não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário.

Essa explicação evolutiva não deve nos deixar congelados, mas, ao contrário, precisamos mexer a mente e o corpo, não parar de experienciar. As medicações usadas para tantas doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Alzheimer, melhoram os sintomas sem mudar o curso natural da doença. Recentemente, três novas drogas para o Alzheimer (anticorpos monoclonais) mostraram efeitos na redução da velocidade do declínio cognitivo e redução no depósito de marcadores patológicos (placas beta-amiloides), resultados que já nos deixam enxergar uma luzinha no fim do túnel. Enquanto isso, vamos experienciando e acho que vou dormir hoje com um sachê de óleo de lavanda sobre o criado mudo.

*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

Link original: https://www.correiobraziliense.com.br/revista-do-correio/2023/08/5116097-memoria-melhora-quando-ha-exposicao-a-aromas-durante-o-sono.html

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